Quero, inicialmente, manifestar o prazer e a honra
de apresentar ao leitor Floriano Bezerra de Araújo e sua importância para a
História Política de Macau, do Rio Grande do Norte e do Brasil.
Floriano Bezerra de Araújo é um homem de uma família
simples, de uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte. Nasceu em
Assu, foi naturalizado em Afonso Bezerra, tendo feito toda a sua trajetória
política em Macau. Seus gestos e suas lutas ganham força, quando analisados no
contexto em que ocorreram, bem como, o modo, o teor de suas reivindicações e os
atores com os quais ele se juntou para conduzir a mobilização por direitos
sociais e políticos.
O ex-sindicalista e ex-deputado teve, ainda, na trajetória
de sua família [pai e irmãos] a marca da migração para a Amazônia brasileira
ocorrida nos anos 1940 e 1950 em busca de trabalho e melhores condições de vida
[como diz a historiografia, os Soldados da Borracha!]. Após o retorno a Macau,
seu pai, liderança política destacada na região, pioneiro na organização dos
trabalhadores tornou-se prefeito da cidade e ganhou respeito e admiração da
população.
Hannah Arendt, filósofa alemã, disse que os homens, ao
agirem, mudam o mundo e mudam a si. Eis, pois, o que fez o ex-sindicalista e
ex-deputado, ao contribuir para que os salineiros se organizassem e lutassem
por seus direitos trabalhistas em Macau. Isso mudou a história de sua cidade e
de seus estado, transformando a aparente vida pacata em um cenário de luta. Sua
vida, também, aparentemente pacata, configurou-se em um personagem importante
para os trabalhadores e para o Estado Militar Autoritário Brasileiro, nos Anos
de Chumbo.
Macau, pela importância econômica à época, tinha um
expressivo número de trabalhadores nas salinas, chegando a influenciar em toda
região salineira [Areia Branca, Grossos, por exemplo]; era uma cidade onde
giravam volumes expressivos de recursos; um lugar privilegiado que possuía
escola voltada, especificamente, para ensinar os filhos dos trabalhadores da
produção de sal; uma comunidade que tinha seus estabelecimentos comerciais como
referência, na região. Tudo isso tornava a Macau um ambiente propício ao debate
político e o cenário em que surgiu a liderança do ex-sindicalista e
ex-deputado. Floriano Bezerra de Araújo, ao organizar os trabalhadores e
lutar por direitos, chamava a atenção para os problemas econômicos, políticos e
sociais da sociedade; despertava os trabalhadores para a força que a categoria
adquire, quando junta; despertava também as comunidades vizinhas para a
possibilidade de que aqueles que lutam, conquistam direitos, dava visibilidade
aos problemas da região e dos trabalhadores. Este percurso e esta atuação
fizeram do protagonista, liderança sindical e filho de homem humilde e também
liderança política, Venâncio Zacarias de Araújo, uma ameaça à ordem
estabelecida. A experiência adquirida no movimento sindical o tornou referência
na região e o fez assumir uma vaga em uma das instâncias mais expressivas de
poder, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte. Lá, em outro patamar, o
ex-deputado representava seus pares, os trabalhadores, no entanto, teve seu
mandato interrompido pela repressão. Esta trajetória política, de sindicalista
a deputado é uma página obrigatória na história do sindicalismo do Estado e do
País. Sua vivencia em fóruns nacionais de trabalhadores, destacadamente no Rio
de Janeiro, bem como o intercâmbio como outras lideranças de expressão nacional
o fez ocupar papel destacado da representação política no estado.
Sendo assim, falar do sindicalismo dos anos 1960 em Macau,
no Rio Grande do Norte, bem como da Assembléia Legislativa do Estado é
construir uma página especial na História Política do Brasil e o registro da
passagem de um dos principais protagonistas dessa trama que é Floriano Bezerra
de Araújo. Diante do exposto, convido o leitor a saborear esta narrativa e com
ela [re]ler, [re]conhecer, [re]contar a História do País à luz do que nos
ensinou Maurice Halbachws a memória individual como fragmento da memória
coletiva, a trajetória de Floriano Bezerra se confundindo com a trajetória dos
sindicalistas. Ou, como o fez Michel Pollak que definiu a memória subterrânea
como sendo aquela que, sem situações de repressão, não pode ocupar os espaços
públicos como fora o período dos governos militares no Brasil. A memória
subterrânea não significa que ela não existiu, muito pelo contrário, aflora e
manifesta com lágrimas e alegrias o que somente o narrador é capaz de imprimir
[Walter Benjamim].
Com a palavra, o ex-sindicalista, ex-deputado e
protagonista de um momento particular e importantíssimo na História do País, do
Rio Grande do Norte e de Macau, Floriano Bezerra de Araújo…”
As memórias de um brasileiro altivo:
Floriano Bezerra
“Minhas tamataranas: linhas amarelas –
Memórias”
Na vida, a gente perde, a gente ganha. O tempo, este amigo
e inimigo é cruel. Quando vê, já passou. Ficam as recordações: boas e más. E
desde sempre, o homem considera que o antes era bem melhor. Escrever
sobre memórias não é fácil. É primeira pessoa nua e crua. Eu fico nú ou não
escrevo “o que preste”. Floriano Bezerra decidiu ficar nú e nos brindou com
“Minhas Tamataranas: linhas amarelas – Memórias”, um livro de quem sabe contar
histórias, carregado de ternura e sem ódios. E olha que Floriano teve todos os
motivos do mundo para conservar ódios. O livro, dividido em vinte e sete
capítulos, narra suas memórias desde o quatro anos de idade – como ele mesmo
diz – é a partir daí que se lembra das coisas, até seus recentes embates
políticos. As narrativas das suas lembranças do sertão, nos idos de
30 são magistrais. Nos deixa cara a cara com os cheiros de mofumbos,
xiquexiques, macambiras e o canto das águas, dos nambus, das corujas e da
cruviana fria, gelada. Depois em Macau, num trabalho que era o sonho de
muitos meninos ainda pequenos: botando água de calão. “Dava moral”. Era
demonstração de força e poder. A iniciação sexual narrada sem biombos e
meandros. Direto, como sempre foi sua trajetória. Na sequência, o
que esteve sempre latente na sua vida: a luta contra as desigualdades sociais.
A narrativa sempre precisa de seus embates sindicais, a lembrança dos
companheiros de luta, dos amigos, dos adversários, enfim, daqueles que ele
considerou significativos. Na vida, a gente perde, a gente ganha. Uns
escolhem lutar para si mesmo. Outros escolhem lutar pelo coletivo. Floriano
Bezerra escolheu o caminho da luta pelo coletivo e assim pautou sua vida. E é
isso que ele registrou nesse livro de memórias. Ele é um daqueles milhares de
nordestinos que não se conformaram com a opressão da classe dominante —
representado pelas oligarquias locais — que determinaram manter o nordeste
brasileiro como um depósito de mão-de-obra barata e disponível para
as necessidades do exército de reserva do capitalismo. Contra a opressão e
por um país livre, muitos pagaram com a vida, como o patriota Luiz Maranhão,
Edson Quaresma e Emanuel Bezerra, dentre outros bravos potiguares. Mas alguns
sobreviveram às torturas, às humilhações e às incompreensões, como Floriano
Bezerra, Mery Medeiros e tantos outros e hoje podem contar a história. Não a
história manipulada e falsificada pela ditadura. Não aquela que ainda hoje,
reconhecidos torturadores e colunistas dedos-duros que vivem das sobras das
mesas burguesas, ainda publicam nos jornais. “Minhas tamataranas: linhas amarelas – Memórias”, não deixam
margem para dúvidas, especulações ou interrogações. É um livro sem véus, como o
autor.
Claudio Guerra, dezembro de 2009
FONTE – BLOG O BAU DE MACAU
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